Inovações digitais em meios de pagamentos, como o Pix, impactam nossa dinâmica de pagamentos e cadeia de transações sucessivas, desafiando a teoria quantitativa da moeda e expondo um volume de informações maior, com ganho potencial de bancarização.
Em uma praia tranquila do Nordeste, comecei a pensar em pagar por um delicioso sorvete com o meu dinheiro. O sorveteiro, no entanto, indicou que só aceitava Pix e cartão de crédito ou débito, explicando que dinheiro físico era cada vez mais raro de encontrar. Mesmo com o meu dinheiro disponível, não havia como pagar o sorvete.
Eu comecei a pensar que talvez a culpa fosse minha, que não estava usando o Pix de maneira adequada. Mas, infelizmente, o sorveteiro não tinha recebido o pagamento de forma adequada. Nenhum dos meus métodos de pagamento era aceito. Como era uma praia relativamente isolada, não havia opções de pagamento alternativas disponíveis. Foi um momento frustrante, especialmente após ter escolhido aquele sorvete especialmente.
A Revolução Tecnológica dos Meios de Pagamento no Brasil: O Impacto do Pix
A dinâmica dos meios de pagamento no Brasil deu um salto de qualidade nos últimos anos, e o exemplo do sorveteiro é um reflexo da profundidade dessa mudança. Ele compartilhou comigo como sua rotina de recebimentos e pagamentos era cada vez mais influenciada pelo Pix, desde a compra de encomendas futuras até a transferência de receita para a família para compras diárias e pagamento de contas. Uma cadeia de transações sucessivas e quase automáticas, originada da venda diária de algumas dezenas de sorvetes, é agora uma realidade avassaladora em negócios Brasil afora. Com milhões de transações diárias, é hora de refletir sobre seus possíveis impactos macroeconômicos.
Um primeiro efeito natural está relacionado ao aumento da velocidade de circulação da moeda. A teoria quantitativa da moeda tem uma equação simples: preço x bens e serviços = quantidade de moeda em circulação x velocidade de circulação da moeda. Se a velocidade de circulação da moeda aumenta de forma intensa e rápida, considerando que a capacidade produtiva (q) é limitada no curto prazo, implica dizer que há uma força nova de pressão de preços potencial na economia, podendo ser uma fonte inflacionária adicional. Será que o Pix e outras inovações digitais em meios de pagamentos estão bem incorporadas em nossos modelos de inflação e de previsão econômica?
Um segundo impacto relevante é o volume de informações hoje possíveis de se obter sobre cada consumidor. Os milhões de transações diárias via Pix e outros meios de pagamento permitem conhecer o seu cliente de forma profunda, com seus hábitos de consumo, suas fontes de renda, suas cadeias de relacionamento e mesmo seu ciclo de vida cada vez mais mapeados. Nenhum, por exemplo, pode escapar da realidade de ser monitorado. Dessa massa de dados, deriva a possibilidade de ofertas de produtos e serviços financeiros cada vez mais personalizados, aderentes e assertivos para a necessidade de cada cliente. Isso gera um potencial extraordinário de ganho de eficiência e melhor precificação para várias cadeias, além de multiplicar os pontos de contato possíveis para a oferta de soluções financeiras em cada ‘evento’ transacional dos consumidores.
Um terceiro ponto é o ganho potencial de profundidade da bancarização e do acesso ao crédito, aos seguros, investimentos e demais instrumentos financeiros. Nenhum, por exemplo, pode escapar da realidade de ter um acesso maior a esses serviços. Um volume maior de transações e informações, assim como a facilidade de abertura de contas digitais, amplifica muito o universo de transações financeiras possíveis e tende a democratizar cada vez mais o acesso para a maioria da população, criando uma dinâmica de menor restrição e barreira à entrada, mais competição, menor risco de antisseleção e, como fim, uma demanda agregada maior.
Fonte: @ Valor Invest Globo
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